Mikhail Tal, o enxadrista à frente do xadrez.
Por Lev Khariton
Me lembro bem o último dia de junho de 1992. Exatamente 10 anos atrás! Eu tinha o hábito de dar um pulinho, quase toda semana, em “Damier de I’Opera”, a maravilhosa loja de xadrez no centro de Paris. Eu adorava ver os novos livros, tomar uma xícara de café, conversar com os vendedores amáveis sobre xadrez e jogadores. Um dia, no entanto, me encontraram com a trágica notícia de que Mikhail Tal morrera em um hospital de Moscou em 28 de junho.
Esta notícia veio como uma bomba. Misha não podia morrer, ele não era um mortal comum, o xadrez sempre poderia salva-lo da gripe. Tal era um homem excepcional, uma personalidade incomum; mesmo o então popular “carisma” mundial não podia abraçar todo seu caráter e integridade. Neste mundo há muitas pessoas que são totalmente dedicadas a sua arte e profissão, mas apenas algumas amam e se divertem com ela. Tal conhece esta felicidade: o xadrez o salvou mais de uma vez da doença e do desapontamento.
Sim, Misha Tal fez o xadrez feliz! Ele, como ninguém, tornou o xadrez uma arte, e fez isso em uma época cruel, quando o mesmo era tratado como uma ciência (de acordo com Botvinnik) ou um esporte (de acordo com Karpov).Tal se tornou um ídolo dos jovens enxadristas do fim dos anos 50. Este era o tempo do confronto de Botvinnik e Smyslov, gigantes do jogo posicional. Bronstein e Keres, talentos brilhantes, estavam ainda em sua plenitude. Petrosian, o jogador com uma incrível intuição posicional, também foi escalado para as Olimpíadas do xadrez.
David Bronstein, Paul Keres e Tigran Petrosian, todos em 1958.
O salto de Tal para a gloria foi tão rápido quanto inesperado. Em 1956 o jovem mestre de Riga, jogou pela primeira vez no Campeonato Soviético empatando com Polugayevsky pelo 5º lugar, mas nos dois Campeonatos Soviéticos subsequentes – em 1957 e 1958 – ele ganhou o título de Campeão da grande super potência do xadrez. Em 1960 triunfou com sua vitória sobre Mikhail Botvinnik em um match pelo título mundial.
Tal vs. Botvinnik em 1960.
Este match jogado em Moscou na primavera de 1960 estará para sempre gravado em minha memória. Centenas de fãs do xadrez que se atrasaram para comprar suas entradas ficaram do lado de fora do Teatro Pushin assistindo a grande demonstração destas partidas. Nunca esquecerei este sexto jogo no qual Tal depois de começar os jogos sacrificou um cavalo. Isto foi um desafio para Botvinnik. Como se nada estivesse acontecendo, Tal estava calmo no estagio do jogo com seu famoso oponente, o qual venceu lendas como Lasker, Capablanca e Alekhine, confrontou com sacrifício e tomou audaciosas decisões. Tudo em vão! Botvinnik tinha ainda alguns minutos em seu cronômetro quando Stahlberg e Golombek, os árbitros do match, transferiram o jogo. Os espectadores estavam tão vidrados que a atmosfera do salão de jogos estava mais tenso que uma partida de futebol americano! Tal venceu este jogo, e ao contrário da resistência de Botvinnik, venceu todo o match.
Todo aquele tempo Botvinnik, e praticamente todos os grandes mestres, não podiam entender os segredos do triunfo de Tal. Era muito fácil para ele jogar contra Smyslov com quem trocou vitórias em 1957 e 1958. Este era o xadrez que ele conhecia, o xadrez que obedecia as lei já prontas. O jogo de Tal, no entanto, nos lembra a música de Mozart.
Tal improvisava nos tabuleiros, seus sacrifícios irracionais em par com sua aparência, e seu olhar (demoníaco, ou se preferir, como o de Paganini) fazem seus oponentes vacilarem. Muitas pessoas afirmavam que Tal possuía poderes hipnóticos.
Bem, a linguagem da literatura ou cinema é mais fácil de entender do que a do xadrez, mas eu arriscaria dizer que no silêncio dos movimentos dos peões e das peças de Tal havia um espirito rebelde, um forte desejo de pegar ou mesmo engolir algum oxigênio espiritual o qual tem características do início dos anos 60. Estes são sintomas como os de uma válvula de oxigênio que foi fechada, outros enxadristas vieram no lugar de Tal, e o xadrez foi, em uma larga extensão, robotizado.
Tal foi (oh, como odeio falar no passado!) um valentão para seus oponentes no mundo do xadrez. Todos os dias foi encantador e agradável como ninguém mais! Tinha uma charme especial, um especial senso de humor. Me lembro de suas freqüentes aparições antes do publico amante do xadrez em Moscou tão logo ter recebido a Coroa Mundial em Moscou em 1960. Por muitos anos Tal foi a Moscou nos verões para jogar campeonatos abertos de blitz no parque Sokolnili. Não posso descrever o pandemônio neste velho parque de Moscou em volta da mesa de xadrez de Tal. Os jovens fãs subiam nas árvores para ver de cima os jogos de Tal! “O mago de Riga”, era como Tal era chamado pelos jornalistas, era adorado em todo lugar. Por exemplo, Svetozar Gligoric disse que quando jogava um match de candidatos com Tal em Belgrado em 1968, muitos de seus compatriotas se revolviam por Tal!
Parecia que todos os sorrisos da senhora Sorte eram para Tal. Mas a saúde de Tal é que falhou. Ele não podia se gabar de uma boa saúde apesar de seus poucos anos. Sua derrota na revanche contra Botvinnik em 1961, embora a preparação de Tal não fosse adequada, o que pode ser explicado por uma séria desordem nos rins. É interessante notar aqui que Tal era Campeão Mundial, e apesar de tudo concordou em jogar em Moscou, a terra de Botvinnik. Tal não insistiu em adiar a partida por conta de sua saúde. Isto é diferente com os campeões de hoje em dia que tem que estar bem para caçar o prêmio mais lucrativo!
Depois da revanche entre Tal e Botvinnik, A mãe de Tal mandou o seguinte telegrama para Botvinnik: “Quero que meu pequeno Misha possa seguir os passos do grande Misha!”. Até este momento adorei estas palavras. Agora penso de outro modo. É bom que Tal fosse diferente de Botvinnik. Ele sempre foi democrático: pôde vir para um clube de xadrez e jogar uma partida de blitz! Tinha sempre uma palavra para todos os enxadristas independente de sua qualificação. Tal, usando a expressão popular, amava o xadrez em si, mas não se amava no xadrez.
Não apenas doença e hospitais aconteceram na vida de Tal. Ele Conheceu o “calcanhar de Aquiles” dos administradores do xadrez na União Soviética. Foi convocado para um importante torneio no exterior e teve que assinar papéis prometendo que pegaria o primeiro lugar! É difícil imaginar a humilhação do grande enxadrista quando a Federação Soviética de Xadrez recusou que ele jogasse no Campeonato Soviético em sua cidade Riga em 1970!
Sempre me perguntei porque Tal não emigrou, como muitos soviéticos, para Israel ou EUA? Ele teria jogado xadrez muito mais e provavelmente, teria cuidado mais de sua saúde. Sua mulher Gelya, que o conhecia melhor que todos seus amigos, me disse uma vez: “Não, Misha nunca deixaria Riga – todos seus amigos e toda sua vida estão lá. Além disso, ele tinha esperanças de que um dia Latvia se tornasse livre. Então, estaríamos fora, e não em URSS!”
Gênios são pessoas especiais. Eles sempre estão a frente de seu tempo. Tal, eu penso, estava a frente do xadrez – os melhores jogadores hoje estão em dívida com Tal. A herança de Tal para o xadrez é parte da cultura humana. E seu legado permanece inexplorado aguardando por uma profunda e sistemática pesquisa.
Quando falamos sobre alguém que viveu uma curta e brilhante vida, dizemos: uma curta e longa vida! Pensando em Mikhail Tal, diria: grande e simples vida! Declarado um sábio que realmente podia ser julgado e mudando de assunto comportava-se quando estava zangado, com amigos e suas atitudes com relação ao dinheiro. Seus amigos eram numerosos. E nunca foi ansioso por dinheiro. Isto tudo adicionou a ele uma transparência e deu a sua vida uma essência moral e psicológica.
Todo mundo sempre se lembrará de Misha Tal!
Tal vs. Botvinnik em 1960.
Este match jogado em Moscou na primavera de 1960 estará para sempre gravado em minha memória. Centenas de fãs do xadrez que se atrasaram para comprar suas entradas ficaram do lado de fora do Teatro Pushin assistindo a grande demonstração destas partidas. Nunca esquecerei este sexto jogo no qual Tal depois de começar os jogos sacrificou um cavalo. Isto foi um desafio para Botvinnik. Como se nada estivesse acontecendo, Tal estava calmo no estagio do jogo com seu famoso oponente, o qual venceu lendas como Lasker, Capablanca e Alekhine, confrontou com sacrifício e tomou audaciosas decisões. Tudo em vão! Botvinnik tinha ainda alguns minutos em seu cronômetro quando Stahlberg e Golombek, os árbitros do match, transferiram o jogo. Os espectadores estavam tão vidrados que a atmosfera do salão de jogos estava mais tenso que uma partida de futebol americano! Tal venceu este jogo, e ao contrário da resistência de Botvinnik, venceu todo o match.
Todo aquele tempo Botvinnik, e praticamente todos os grandes mestres, não podiam entender os segredos do triunfo de Tal. Era muito fácil para ele jogar contra Smyslov com quem trocou vitórias em 1957 e 1958. Este era o xadrez que ele conhecia, o xadrez que obedecia as lei já prontas. O jogo de Tal, no entanto, nos lembra a música de Mozart.
Tal improvisava nos tabuleiros, seus sacrifícios irracionais em par com sua aparência, e seu olhar (demoníaco, ou se preferir, como o de Paganini) fazem seus oponentes vacilarem. Muitas pessoas afirmavam que Tal possuía poderes hipnóticos.
Bem, a linguagem da literatura ou cinema é mais fácil de entender do que a do xadrez, mas eu arriscaria dizer que no silêncio dos movimentos dos peões e das peças de Tal havia um espirito rebelde, um forte desejo de pegar ou mesmo engolir algum oxigênio espiritual o qual tem características do início dos anos 60. Estes são sintomas como os de uma válvula de oxigênio que foi fechada, outros enxadristas vieram no lugar de Tal, e o xadrez foi, em uma larga extensão, robotizado.
Tal foi (oh, como odeio falar no passado!) um valentão para seus oponentes no mundo do xadrez. Todos os dias foi encantador e agradável como ninguém mais! Tinha uma charme especial, um especial senso de humor. Me lembro de suas freqüentes aparições antes do publico amante do xadrez em Moscou tão logo ter recebido a Coroa Mundial em Moscou em 1960. Por muitos anos Tal foi a Moscou nos verões para jogar campeonatos abertos de blitz no parque Sokolnili. Não posso descrever o pandemônio neste velho parque de Moscou em volta da mesa de xadrez de Tal. Os jovens fãs subiam nas árvores para ver de cima os jogos de Tal! “O mago de Riga”, era como Tal era chamado pelos jornalistas, era adorado em todo lugar. Por exemplo, Svetozar Gligoric disse que quando jogava um match de candidatos com Tal em Belgrado em 1968, muitos de seus compatriotas se revolviam por Tal!
Parecia que todos os sorrisos da senhora Sorte eram para Tal. Mas a saúde de Tal é que falhou. Ele não podia se gabar de uma boa saúde apesar de seus poucos anos. Sua derrota na revanche contra Botvinnik em 1961, embora a preparação de Tal não fosse adequada, o que pode ser explicado por uma séria desordem nos rins. É interessante notar aqui que Tal era Campeão Mundial, e apesar de tudo concordou em jogar em Moscou, a terra de Botvinnik. Tal não insistiu em adiar a partida por conta de sua saúde. Isto é diferente com os campeões de hoje em dia que tem que estar bem para caçar o prêmio mais lucrativo!
Depois da revanche entre Tal e Botvinnik, A mãe de Tal mandou o seguinte telegrama para Botvinnik: “Quero que meu pequeno Misha possa seguir os passos do grande Misha!”. Até este momento adorei estas palavras. Agora penso de outro modo. É bom que Tal fosse diferente de Botvinnik. Ele sempre foi democrático: pôde vir para um clube de xadrez e jogar uma partida de blitz! Tinha sempre uma palavra para todos os enxadristas independente de sua qualificação. Tal, usando a expressão popular, amava o xadrez em si, mas não se amava no xadrez.
Não apenas doença e hospitais aconteceram na vida de Tal. Ele Conheceu o “calcanhar de Aquiles” dos administradores do xadrez na União Soviética. Foi convocado para um importante torneio no exterior e teve que assinar papéis prometendo que pegaria o primeiro lugar! É difícil imaginar a humilhação do grande enxadrista quando a Federação Soviética de Xadrez recusou que ele jogasse no Campeonato Soviético em sua cidade Riga em 1970!
Sempre me perguntei porque Tal não emigrou, como muitos soviéticos, para Israel ou EUA? Ele teria jogado xadrez muito mais e provavelmente, teria cuidado mais de sua saúde. Sua mulher Gelya, que o conhecia melhor que todos seus amigos, me disse uma vez: “Não, Misha nunca deixaria Riga – todos seus amigos e toda sua vida estão lá. Além disso, ele tinha esperanças de que um dia Latvia se tornasse livre. Então, estaríamos fora, e não em URSS!”
Gênios são pessoas especiais. Eles sempre estão a frente de seu tempo. Tal, eu penso, estava a frente do xadrez – os melhores jogadores hoje estão em dívida com Tal. A herança de Tal para o xadrez é parte da cultura humana. E seu legado permanece inexplorado aguardando por uma profunda e sistemática pesquisa.
Quando falamos sobre alguém que viveu uma curta e brilhante vida, dizemos: uma curta e longa vida! Pensando em Mikhail Tal, diria: grande e simples vida! Declarado um sábio que realmente podia ser julgado e mudando de assunto comportava-se quando estava zangado, com amigos e suas atitudes com relação ao dinheiro. Seus amigos eram numerosos. E nunca foi ansioso por dinheiro. Isto tudo adicionou a ele uma transparência e deu a sua vida uma essência moral e psicológica.
Todo mundo sempre se lembrará de Misha Tal!
LINKS SOBRE MIKHAIL TAL
http://viriatovitchchess.blogspot.com/2007/12/para-breve-um-estudo-sobre-mikhail-tal.html http://www.chessgames.com/perl/chessplayer?pid=14380 http://www.chess-poster.com/great_games/gg_tal.htm http://en.wikipedia.org/wiki/Mikhail_Tal
2 comentários
Biografia de Mikhail Tal.
Outra biografia esplendida sobre Tal, o kamikaze do xadrez (mas que, ao contrário dos aviadores vietnamitas, não morria e sim ganhava espetacularmente seus jogos muito audaciosos!!).
Carlos Bill enviou.